Diamantina e a Vesperata – Setembro/2015

Logo que chegamos em Diamantina, paramos numa barraca/ caminhão de frutas e ali ficamos por quase 1 hora. Além obviamente da compra e consumo de frutas, conversamos com o dono do caminhão e alguns dos seus fregueses.
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Em poucos minutos soubemos que o senhor dono do caminhão “adquiriu” 4 filhos (termo curioso de nosso novo amigo, não?). Mas  como a mulher – mãe dos filhos – não foi a sua melhor escolha, perdeu os dois primeiros. Mas no terceiro e quarto ele, em suas palavras, ficou de olho nela e por isso “criou”.
Daí em seguida ele nos mostrou fotos e videos de uma filha e neto. Logo uma freguesa virou pra mim e comentou baixinho que aquela mesma filha, fruto de orgulho daquele homem, era casada com um mas estava grávida de outro. E virando pro senhor perguntou, “o senhor sabe que sua filha está grávida?” E ele disse que não, claramente escondendo quaisquer sentimentos que, pensaria a freguesa, seriam de desgosto e traição por não ter sido informado antes. O sentimento, no entanto, saberíamos em seguida, era sim de desgosto, mas não por não ter sido informado, mas porque o “marido”, que também descobrimos que era apenas um companheiro, era nas palavras de seu pai “um traste” que mal se sustentava, quanto mais a uma família.
A freguesa também não escondeu suas lamúrias. Casada, mãe de um menino, sonhava em ter uma menina. Teve porém uma gravidez de risco, parto complicado, com risco de morte e tudo. Enfim, não pode mais ter filhos. Mas em suas palavras “Deus vai me mandar uma netinha” e assim mantém-se vivo o fogo da vida. Se o filho “criar” logo teremos uma neta e isso já é distração suficiente pra viver por mais 15 anos, pelo menos.
Mas a história desta freguesa não é só de tristeza e esperança. Sua mãe, ali presente e também muito simpática, teve um cancer com diagnóstico de poucos dias de vida. Casos como o dela, de acordo com o médico, tem cura apenas em 1 em mil. Em detalhes, ambas animadas contaram a história de dor e superação daquela senhora que também vai lutar pra viver e ver sua bisneta chegar.
De, BH há duas alternativas para chegar-se à Diamantina. Uma bem aventura e que fizemos da última vez que viemos e que passamos por Conceição do Mato Dentro, Tabuleiro, Serro, Milho Verde e outras cidades.
Desta vez viemos por uma estrada direta e asfaltada, o que reduziu muito o tempo de viagem e me fez pensar que o destino não é assim tão inacessível. Pode ser longe mas a estrada estava boa, e o melhor, linda. As vegetações desta região já são parecidas às descritas por Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas. Por tão diferentes, encantam. Os ipês nesta época de finais de inverno, roxos e amarelos, se vêem em abundância em todo o trajeto e só  viagem já faz com que tudo se esqueça e a gente se entregue ao encantamento dessa natureza exótica.
Desta vez, além de nos impressionarmos com os magníficos Ipês, ficamos embevecidos pelo cheiro predominante em toda a cidade de um adocicado que quase confundimos com Jasmim. Mas não, o cheiro vinha das flores dos pés de jabuticaba que de tão grandes e fartos, justificam até mesmo uma ida à cidade aos amantes desta pequena e deliciosa fruta.
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Outra linda cena desta viagem foi na porta da Igreja, em hora de missa, dois rolinha de cachorro dormindo à porta, lembrando que todas são li bem-vindos, até mesmo os vira-latas.
Assim como a maioria das cidades históricas, o que mais nos atrai é justo a sensação de voltar no tempo. De respirar uma vida contemporânea regada por resquícios do passado. Diamantina dentre todas as cidades deste tipo tem esse aspecto ainda mais acentuado pois é muito menos turística.
Pra nós, as cidades históricas tem um efeito casa, ali nos sentimos bem, em paz. Entre amigos, comendo e dormindo bem, tocamos nossa vida por uma ou mais semanas como se ali fosse mesmo nossa casa.
Como já estivemos aqui em Diamantina outras vezes, talvez esse seja o principal motivo para nos fazer sentir menos turistas.
Desta vez no entanto tivemos a sorte de aqui estar em noite de Vesperata. Motivo pelo qual pela primeira vez aqui viemos há 5 anos e que, somente quando já aqui, descobrimos que tratava-se de evento mensal, com dias programados e até mesmo concorrido para encontrar hospedagem. Como fugimos dos grandes eventos e somos péssimos em programação prévia, ficamos bem animados com a coincidência de finalmente estarmos aqui.
A indicação veio de uma de nossas viagens à Ouro Preto. Um casal nos disse que a mais linda cidade histórica era Diamantina, o que o Mauricio concorda enquanto eu tenho dificuldades em escolher – e que tinha este tal evento chamado vesperata: “imperdível” foi a palavra usada por eles.
E realmente, que lindo espetáculo. Em noite quente, chegando na praça principal logo se percebe a mudança na rua principal. As mesinhas estão todas cobertas com toalhas coloridas, em muito maior quantidade do que o usual, a iluminação dá ainda mais destaque aos edificios antigos e bem conservados, tudo está preparado pra receber os “convidados”. Estes que precisam ter reserva para ter o privilégio de sentar em uma das mais de cem mesinhas disponíveis na rua, que por sua própria inclinação já representa um perfeito palco a céu aberto para receber qualquer show.
Ansiosos para o descobrir o que seria a famosa Vesperata, chegamos às 20:00. Hora marcada para a Serenata, evento que antecede a Vesperata, mas não queriamos perder nada da grande noite.
Somente às 20:30 e apenas durante meia hora cantou um grupo de velhinhos um repertório de clássicos como ah minas gerais e meu coração nao sei porque bate feliz quando te vê… Sentada dentro do boteco onde arrumamos mesa, apenas ouvindo a cantoria, não me impressionei muito. Mas quando levantei e vi o entusiasmo, alegria, orgulho e entrega de cada um dos aproximados 50 integrantes daquele grupo, quase chorei.
Logo começa a Vesperata e a cidade inteira se vê submersa ao som de uma única música. Tocada ali mesmo. Sem voz. Apenas instrumentos que individualmente se somam num grande espetáculo.
De cada um dos sobrados, de suas charmosas janelas, estrelavam os artistas, alguns muito jovens, outros adultos, juntos, todos eram conduzidos pelo maestro que do centro da rua coordenava seus músicos, ainda que a metros de distância.
Crianças vendem amendoim com tristeza no olhar. Igualmente triste é o movimento da senhora que no seu sobe e desce da rua tenta inutilmente vender seus pequenos doces. Ao mesmo tempo o lunático crente e ex prisioneiro bem como os diversos cachorros abandonados tentam tirar seja dinheiro seja comida daqueles privilegiados sentados às mesas.
As músicas, apesar de instrumentais, são tão populares que quase sempre se escuta o acompanhamento das letras pelo próprio público.
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